Tubarão nos dias atuais

O que Tubarão pode nos dizer nos dias de hoje?

Pablo Spinelli

Dedicado à memória de Daniel Azulay e Flávio Migliaccio, ícones da minha infância.

odia.ig.com.br/_midias/jpg/2020/03/27/0-1643544...Obrigado, Tio Maneco, pela fantasia


A partir do final dos anos 1960 houve uma mudança da forma de fazer cinema em Hollywood. Uma geração nova irrompia e que não encontrava espaço nem no establishment dos grandes estúdios e nem nas temáticas abordadas nas telas que não conseguiam expressar o ambiente da Guerra do Vietnã, do movimento hippie, do Maio de 68  na França, da Primavera de Praga, do início das ditaduras na América Latina com apoio da CIA, da desesperança com o superestimado presidente Kennedy, do uso das drogas associadas com autodescobertas transcendentais em conjunto com religiões ou seitas de matriz orientais - ou que se diziam ser.

Influenciados pelo cinema europeu - alemão, francês, italiano; pela geração beatnik - escritores que colocavam no papel suas experiências pessoais com drogas, amor livre e automóvel na estrada vivendo o presente como se não houvesse futuro e jogando o passado na lata de lixo da história -, pelas agitações políticas e sociais do país - como a questão dos direitos civis para os negros e o feminismo - novos cineastas surgiram para colocar temáticas pessoais dos mais diversos estilos, onde pela primeira vez estudantes de cinema conseguiram unir teoria à prática, em especial, os formados em Nova Iorque ou Los Angeles.

Nessa primeira onda temos "Sem Destino", de Dennis Hopper, talvez o filme mais beatnik jamais feito; "Bonnie e Clyde", produzido pelo sempre engajado Warren Beatty, filme que retrata o "banditismo social" nos anos da Grande Depressão, além do espinhoso tema da impotência sexual masculina; Faces, do genial John Cassavetes; o terror que é uma alegoria de Fausto, o "Bebê de Rosemary", dirigido por Roman Polansky, um dos imigrantes do Leste Europeu socialista que foram fazer com mais liberdade filmes em Hollywood e que a ela deram um ar mais oxigenado (referência tangencial nas memórias de Tarantino em seu último filme).

Nos anos 1970 há a produção mais rica do "Quarteto Fantástico" - Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Woody Allen e Steven Spielberg (e há o "quinto Beatle" representado pelo nerd George Lucas, que ao fazer um filme sem pretensões e condenado ao fracasso conseguiu o paradoxismo de criar o maior ícone pop dessa geração e acabar com o cinema independente que ele e seus colegas faziam quando estreou "Star Wars"). Desse quarteto, Spielberg era o mais jovem, o mais estudioso da tecnologia do cinema, um nerd como o seu amigo George Lucas. Não bebia e não se drogava. Nas festas pensava em escrever argumentos e tomadas para um filme despretensioso baseado em um best seller escrito por um apaixonado pela oceanografia, Peter Benchley, que foi publicado em 1974. Estamos falando de Tubarão.
Steven Spielberg

Não vamos aqui falar dos bastidores das filmagens, do nervosismo de Spielberg em terminar o filme por pressão do estúdio sobre um diretor que só havia feito um filme comercial("Encurralado") e muito jovem. Os problemas para que a mecânica do tubarão em estúdio ficasse pronta exigiu do diretor recorrer aos ensinamentos do grande mestre Alfred Hitchcock: o medo poderia ser sugerido, bastava a platéia saber do que ocorria e os personagens, não. A sugestão da mensagem teve um alcance muito maior com a trilha de John Williams que tinha apenas duas notas. Spielberg acreditava que uma história tão simples passaria despercebida: poucos cenários, praticamente uma praia e um barco (produção de baixo orçamento),um elenco baseado em um trio improvável: um ator veterano esquecido (Robert Shaw), um iniciante (Richard Dreyfuss) e um outro, que apesar de ter participado de sucessos era um antigalã (Roy Scheider).

O filme tem um enredo simples. Em um balneário, em pleno verão, corpos aparecem na praia destroçados por um tubarão gigantesco. O xerife Martin Brody (Scheider) é pressionado a resolver o problema sem afetar o turismo, economia principal da cidade. Ele vai atrás do animal com o excêntrico e beberrão veterano da II Guerra e agora pescador, Quint (Shaw) e o oceanógrafo inexperiente Matt Hopper (Dreyfuss). Em uma embarcação em pleno mar dividem seus passados, medos, brigam, se realinham e temem o "monstro" do mar que ao ser visto gera a icônica frase: "Precisamos de um barco maior", dita por Brody.
Opera Mundi: Hoje na História: 2008 - Morre o ator norte-americano ...
"Precisaremos de um baco maior!"

O que Tubarão, filme que completa 45 anos (!!!) tem a nos dizer? O personagem de Brody vive a pressão entre a economia (o turismo que sustenta o balneário e exige a praia aberta) e a vida. O prefeito e a associação de empresários locais, a princípio tentam esconder o mundo das coisas reais. Depois, colocam um prêmio para aquele que estiver disposto a matar o animal (quando surge Quint arranhando o quadro-negro) e por fim, pressionam Brody a resolver o mais rápido possível o medo que assola a cidade, onde a demora pode lhe valer o cargo.

A virtú dos personagens tem algo a nos dizer. A coragem de Brody, a experiência de Quint não seriam suficientes sem a ciência representada por Hopper. Mesmo assim, o filme mostra que a virtú precisa de uma fortuna, que o animal abra a boca novamente após destroçar um dos integrantes. Não há vitórias sem perdas. Não há economia sem vida. Fica para pensarmos como um prefeito de um grande balneário como é o Rio de Janeiro pôde pensar na abertura da economia primeiro com os empresários e que depois passaria para os técnicos da saúde. Estamos rodeados para além do vírus, de tubarões na economia e em alguns setores da política. Como podemos nos livrar desse mal cardume? Como disse um youtubber recentemente em uma entrevista, estudando.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RESENHA DE SHOW DE TRUMAN