O EXPRESSIONISMO ALEMÃO - Neblinas e sombras do pós-guerra no cinema


Metrópolis - Filme 1927 - AdoroCinema




A partir de hoje, esse blog terá uma sequência de olhares acerca de escolas de cinema ou de tendências do cinema mundial no século passado. O termo "escola" foi e é rejeitado por críticos ou cineastas dos próprios movimentos, mas o usaremos enquanto um olhar para tendências de um "espírito do tempo" de sociedades diversas. Uma forma de entender que o cinema tem uma conexão com o mundo enquanto arte, por mais que pareça ser ligado ao entretenimento ou escapismo da realidade - o que não deixa de ser uma postura política.
Começaremos pela experiência alemã - não seguiremos aqui ordens cronológicas. O cinema alemão coloca suas digitais mais impressionantes no mundo cinematográfico nos anos 1910 e 1920. O contexto era o de um país arrasado com o pós-guerra, vivendo sob a "República de Weimar", a República liberal que foi formada após os anos finais desastrosos do II Reich. Em uma sociedade que convivia com feridos de guerra, mutilados, crianças sem pais, pais sem filhos, casas, hospitais e escolas destruídos, além de outras mazelas, foi fértil o terreno para o despontar de intelectuais que expuseram um tom antibelicista nas mais diversas expressões artísticas - com exceções que terão seu gozo máximo na experiência nazista anos depois.

O trauma causado pela Primeira Guerra (1914-1918) foi de grande espectro, posto que foi o primeiro conflito militar que teve como tática e não como erro de contingência o ataque à população civil. Os gases venenosos, as minas terrestres, a experiência da "guerra das trincheiras", o lança-chamas, o uso bélico do avião, os bloqueios marítimos para a chegada de suprimentos foram alguns dos ingredientes favoráveis à constatação do horror, do espanto, do medo. O ineditismo da planejamento técnico para o uso da destruição em massa. 

A psicologia de Caligari e o prenúncio do surrealismo social
O Gabinete do Dr. Caligari - direção Robert Wiene - 1920

A escola cinematográfica desse período na Alemanha ficou conhecida como o Expressionismo Alemão, em um paralelo com as artes plásticas, cuja influência é nítida nas telas. Filmes em preto e branco que retratam temas como a loucura (O Gabinete do Dr. Caligari*), as diferenças sociais (Metropolis), a especulação financeira e o individualismo (Dr. Marbuse), o medo nas grandes cidades e o linchamento moral (M. o vampiro de Dusseldorf) ou ainda, o medo do "outro", o "estranho" (Nosferatu e a adaptação da obra de Vitor Hugo, "O homem que sorri" que serviu de inspiração para a criação do Coringa, de Batman) em um retrato performático de atores que faziam uso do corpo e expressões faciais em tons dramáticos e exagerados de forma proposital. A vida é um teatro, o cinema não é o real, mas uma expressão dele.

M, O Vampiro de Dusseldorf - Filme 1931 - AdoroCinema

Nessa escola alemã, o uso das câmeras, dos ângulos serviram de referência para vários diretores, como foi o caso de Orson Welles em seu icônico "Cidadão Kane". O posicionamento da câmera muitas vezes era mais por conta das severas condições econômicas para as produções do que por estilo, mas serviram ao propósito de mostrar a deformidade humana e da sociedade alemã, em específico. Os cenários artificiais envoltos num tom de neblina ou opacidade ajudaram a criar essa atmosfera onde a guerra ensinou que nem tudo é preto ou branco, pois a área cinzenta é muito densa e diversa. Ambiguidade no lugar de maniqueísmo. Uso da psicanálise freudiana que começava a se consolidar na Europa permitia atingir o inconsciente nos seus atormentados personagens. Veio de "Metrópolis" a referência para o robô C3PO de Star Wars. Da mesma forma, o tom gótico e escuro é encontrado nas obras de Tim Burton, especialmente os seus dois filmes do Batman e suas animações como "O estranho mundo de Jack" e "Noiva cadáver".

Os filmes expressionistas alemães podem parecer à primeira vista monótonos, exagerados, surreais, mas é a busca de se sobrepor à realidade para entender a subjetividade coletiva a partir de dramas individuais que esse cinema procurava responder a uma pergunta do pós-guerra: por quê? Desgraçadamente, a resposta veio pelo fascismo, resposta que como sabemos, despreza a todos, desvaloriza o indivíduo e responde aos problemas causados pela guerra com um desdém: e daí? Seremos fortes e imunes a tudo que nos atinge. A humanidade conheceu depois o lado negro dessa força. 

*Alguns dos filmes citados acima podem ser encontrados no You Tube ou no streaming do Telecine.

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