Batman: um cavaleiro nos tempos de cólera - Parte I
O Cavaleiro das Trevas fez 80 anos e, como já mencionado em postagem anterior, a efeméride foi lembrada pela sua imagem mimética, o insano Coringa. Apresentaremos aqui uma interpretação acerca de Batman um pouco diversa do que seus fãs mais aguerridos falam, tal qual os vários documentários sobre o personagem ou editora que o criou, a Detetive Comics, a DC, o que não quer dizer que seja uma verdade absoluta, mas uma provocação para esse ícone da cultura pop.
O personagem é geralmente apontado como um mix de detetive vanguardista que usava a tecnologia do final dos anos 1930 para desvendar crimes na Gotham City, uma Nova Iorque que não quer dizer o seu nome, com um espírito de Robin Hood, um justiceiro mascarado que abnegadamente deixa de ter uma boa hora de sono para a produção de melanina para saltar de prédios e dar socos e pontapés em palhaços, aves com asas atrofiadas, adoradores de perguntas, homens com a cara deformada por ácido, fanáticos por gelo ou pelo Egito Antigo etc etc. E volta para casa colocando gelo no corpo após gerar uma noite mais serena e ordeira para os moradores de Gotham que mal sabiam que a cidade estava para ser destruída.
Seus criadores colocaram uma pitada de psicanálise freudiana de botequim para explicar suas motivações, quando um trauma infantil seria expiado na busca da vingança contra malfeitores e usaria, na fase adulta, a inteligência e a tecnologia com o compromisso de não matar, pois provocar uma morte violenta seria reabrir a cicatriz desse seu passado que não cura. Para adensar a complexidade do personagem - para não ficar ridículo um herdeiro vagabundo explorar a mais-valia do seu já idoso mordomo que o espera com um chá e bandagens para suas cicatrizes e hematomas - houve a "educação pela pedra", como escreveu um poeta brasileiro: o medo de morcegos seria superado na marra, à forceps, onde a incorporação desse animal seria a sua fantasia, o alter-ego de Bruce Wayne. Para nossa sorte, ele não teve medo de lacraias ou ratos.
Pode parecer que o blogueiro não gosta de Batman, o que não é verdadeiro. A infância do signatário foi aprender o que significa onomatopeia com Adam West e Burt Ward, atores do seriado psicodélico dos anos 1960 e exaustivamente reprisado na televisão brasileira. O Batman original estava longe das cores e do humor desse seriado. O Batman original foi criado na conjuntura do fascismo, movimento político que ganhava musculatura após ter um sucesso como um meteoro das paixões quando no uso da política para as massas em dois países que saíram traumatizados da Primeira Guerra, a Itália, berço do fascismo, que vivia o lendário argumento da "vitória mutilada" criada por ex-combatentes e pela imprensa liberal italiana e que foi argutamente canalizado por Benito Mussolini e, o caso mais espetacular do crescimento econômico e superação do desastre que foi o Tratado de Versalhes (à base de proibição de greves; anulação de sindicatos sem o controle do Estado; congelamento de salários), o fascismo alemão, o nazismo, liderado (mas não criado) pelo austríaco Adolf Hitler.
Pode parecer estranho, mas nessa época, os termos ditador e ditadura não carregavam uma carga negativa (ao menos para a maioria da população atual, onde até mesmo os simpatizantes de regimes com esse perfil encontram eufemismos como "regime forte", seja para um olhar à esquerda ou à direita). Os ditadores pareciam saber o que era o melhor para a sua nação (outro termo que também era novo no vocabulário político, algo que nos anos 1930 não teria mais de sete décadas). O desemprego na Alemanha era quase nulo após atingir a quase dois terços da população. A legião de homens com pernas ou braços amputados, magistralmente retratados nas telas de Otto Dix, havia desaparecido. Em seu lugar, o ariano. A juventude. O heroísmo. O espirito da aventura. O homem de peito aberto ao meio da multidão. Não caberia a busca da felicidade, mas a determinação pelo risco, pela adrenalina. Era o "super-homem" do filósofo Nietzche na releitura nazista. Mussolini, por um lado, se não conseguiu ter um desempenho econômico com uma produção industrial que chegasse aos pés da aliada germânica, teve um desempenho acima do razoável em usar as novas mídias de sua época, algo que Hitler (e muito mais Goebbels) admirou e usou. Foi praticamente o primeiro grande líder político do século passado a entender a força do cinema como uma fonte de reprodução de seu discurso e de sua ideologia para as massas. O uso do rádio, dos gestos teatrais, o político sem barba, grandes costeletas, cartolas ou bengalas, um político que veio das camadas médias baixas - cujo pai era anarquista e a mãe, uma professora primária - conseguia falar a língua do povo.

"O cinema é a arma mais forte" - cartaz fascista com Mussolini
Um líder que se deixava fotografar com crianças, jogando futebol ou presente nos estádios, fazendo equitação e que não tinha qualquer pudor em mostrar suas amantes numa alusão a uma virilidade latina que não foi criada por ele, mas potencializada (e ridicularizada em alguns filmes italianos, como Bello Antonio (1960), com Marcello Mastroianni, mas fica para outra postagem).
Mussolini, com muita paciência e idas e vindas conseguira arrancar do Papa Pio XI o reconhecimento da Itália como Estado em troca não só da cessão do bairro de Roma, o Vaticano, para os domínios da Igreja; como também, a Itália desse filho de anarquista ateu passou a ter o catolicismo como religião oficial e, como tão bem documentado pelo premiado historiador David I. Kertzer em O papa e Mussolini - a conexão secreta entre Pio XI e a ascensão do fascismo na Europa (Ed. Intrínseca, 2017), usou das forças de coerção do Estado para perseguir adversários elencados pelo Vaticano: os protestantes e a maçonaria. Depois, seria a vez dos judeus (mais informações sobre esse tema ver "A vida é bela", filme que conseguiu a proeza de não agradar nem a algumas comunidades judaicas e nem a antissemitas). Mussolini era o homem da oratória virulenta. Sabia quem eram os inimigos da pátria, pois ele era o "pai da nação". Era, segundo o citado Papa Pio XI, o homem providencial, o escolhido pela Providência Divina para atacar os inimigos da fé, principalmente, os socialistas e comunistas.
Mussolini, com muita paciência e idas e vindas conseguira arrancar do Papa Pio XI o reconhecimento da Itália como Estado em troca não só da cessão do bairro de Roma, o Vaticano, para os domínios da Igreja; como também, a Itália desse filho de anarquista ateu passou a ter o catolicismo como religião oficial e, como tão bem documentado pelo premiado historiador David I. Kertzer em O papa e Mussolini - a conexão secreta entre Pio XI e a ascensão do fascismo na Europa (Ed. Intrínseca, 2017), usou das forças de coerção do Estado para perseguir adversários elencados pelo Vaticano: os protestantes e a maçonaria. Depois, seria a vez dos judeus (mais informações sobre esse tema ver "A vida é bela", filme que conseguiu a proeza de não agradar nem a algumas comunidades judaicas e nem a antissemitas). Mussolini era o homem da oratória virulenta. Sabia quem eram os inimigos da pátria, pois ele era o "pai da nação". Era, segundo o citado Papa Pio XI, o homem providencial, o escolhido pela Providência Divina para atacar os inimigos da fé, principalmente, os socialistas e comunistas.
Os fascismos tinham sua mítica e simbologia. Para contrapor ao vermelho, o preto; à rosa aberta ou o punho cerrado; o feixe de Roma Antiga e a águia, animal sempre escolhido por alguns países para sintetizar uma ideologia expansionista.
Os meus 12 leitores devem se perguntar: ok, entendi a aula de História...mas e o Batman? Bem, na nossa perspectiva provocadora, o Batman de Bill Finger e Bob Kane é um herói carregado de simpatia para o fascismo. Como assim?
Não percam a próxima postagem sobre o homem-morcego!

Comentários
Postar um comentário